"Como se explica a expressão
'Granjeai amigos com as riquezas da injustiça', da parábola do mordomo infiel,
de Lucas 16.1-12?"
Esse versículo é. sem dúvida, de difícil
interpretação. Há pontos que não serão esclarecidos antes que venha o Senhor
pela segunda vez. É natural, que um livro como a Bíblia, escrita por
inspiração, contenha coisas difíceis de se compreender. O defeito, contudo,
não está no livro, mas em nosso limitado entendimento. Se não aprendemos outra
coisa nesta parábola, ao menos, sejamos humildes. Devemos possuir, antes de
mais nada, muito cuidado, para não deduzirmos do versículo citado, doutrinas e
preceitos que ele não ensina.
Em primeiro lugar, queremos salientar que
o nosso Senhor não se refere ao mordomo como um modelo de probidade; de outro
modo, não lhe teria dado o epíteto de "mau". Jesus nunca autorizou a
falta de honradez no comércio humano. O mordomo de que tratamos enganou o seu
senhor, e quebrou, assim, o oitavo mandamento. Seu amo ficou admirado da
astúcia do seu servidor, quando lhe chegou ao conhecimento o que lhe havia
feito, e louvou-o pela sua sagacidade e previsão. Porém, isso nada prova que o
seu proceder lhe agradasse, e, de fato, não há uma palavra que indique a aprovação
do Senhor Jesus, pois, com o vocábulo "amo" ou
"senhor", a parábola não denota o Senhor Jesus, mas o amo do
malfeitor. De fato, sob o ponto de vista moral cristão, o modo como agiu o
mordomo não pode, de forma alguma, ser imitado por nós.
A advertência feita nesse caso é muito
necessária. A má fé nos negócios é, desgraçadamente, muito comum em nossos
dias. A honradez nos contratos é coisa rara. Em transações comerciais muitos
praticam atos que a Bíblia condena. Milhares de pessoas há que, para depressa
ficarem ricas, cometem faltas que ofendem a equidade: Pv 28.28. A astúcia, a
destreza em comprar, a habilidade e esperteza em vender e realizar negócios de
toda natureza, fazem passar despercebidas coisas que se não deveriam permitir.
A classe a que pertencia o mordomo infiel é, contudo, numerosa.
Não nos esqueçamos disto: sempre que
fizermos aos outros, aquilo que não desejamos que nos façam, podemos estar
certos de que procedemos mal aos olhos de Cristo. Observa-se a lição principal
que se nos prodigaliza nesta parábola: é prudente estarmos prevenidos para
qualquer contratempo.
O modo como se portou o mordomo infiel,
quando soube que seria prejudicado seu futuro, foi, indubitavelmente, hábil e
sagaz. O diminuir partes das contas do que devia ao seu senhor, era um ato de
má fé, mas, sem dúvida, com ele adquiriu muitos amigos. Pervertido como era,
não descurou o futuro. Desonestas como eram as providências que tomou, não
deixava, contudo, o mau servidor de atender às suas próprias necessidades. Não
cruzou os braços, nem deixou que a pobreza fechasse as portas de sua casa,
porém meditou, raciocinou, fez seus cálculos e pô-los em execução, sem receio
algum.
O resultado viu-se: não ficou desamparado.
Que contraste surpreendente observamos entre o proceder do mordomo infiel em referência aos interesses temporais e a
maior parte dos homens a respeito das questões espirituais! É sob este ponto de
vista, unicamente, que o mordomo infiel nos dá exemplo que devemos imitar. Como
ele, é mister que cuidemos do nosso porvir. Como ele, é necessário que nos
previnamos para o dia em que deixarmos a morada terrena para entrarmos na
celestial; como ele, temos de construir "um edifício nos céus", onde
fixaremos o nosso lugar, quando se desfizer o tabernáculo terrestre do nosso
corpo: 2 Co 5.1. Realmente, é necessário empregar todos os meios válidos ao
nosso alcance, para obtermos a morada celestial.
Sob este aspecto, a parábola é altamente instrutiva. A solicitude que os homens do mundo manifestam pelos interesses
dessa vida, deverá provocar vergonha aos cristãos por sua frieza muitas vezes manifestada para com as coisas eternas.
O zelo e a constância de que os homens
negocistas dão provas, quando percorrem mar e terra para granjearem riquezas,
são uma natural reprovação da indiferença e indolência que patenteiam muitos
crentes a respeito dos tesouros celestiais. As palavras do Senhor são verdadeiramente
profundas e solenes: "... os filhos deste mundo são mais prudentes na sua
geração do que os filhos da luz", Lc 16.8.
Nosso Senhor nos ensina, com essas palavras,
a sermos escrupulosos, fiéis em tudo, e nos previne a não pensarmos que o
procedimento, em assuntos pecuniários, de conformidade com o mordomo infiel,
seja coisa insignificante. Jesus quer que não nos esqueçamos de que o modo como
o homem procede em relação ao "muito pouco", dará uma prova de sua
índole e que a injustiça "no muito pouco" é grave sintoma do mau
estado em que se encontra o coração. Sem dúvida, não nos dá a entender, nem
por sombra, que a honradez em questões pecuniárias pode tornar justas as nossas
almas ou purificá-las dos nossos pecados, porém, ensina-nos, clara e positivamente,
que a má fé nas transações é sinal de que o coração não é reto aos olhos de
Deus.
O ensino que o Senhor nos dá há de merecer
consideração muito séria nos tempos que correm. Parece que existem pessoas que
se persuadem da possibilidade de divorciar a religião verdadeira da honradez
comum, e que se alguém é ortodoxo na doutrina, pouco importa que na prática use
a trapaça ou o engano. As palavras de nosso Mestre são, de fato, um protesto solene
contra essa perniciosa idéia. Destarte, devemos velar para não cairmos em semelhante
erro. Defendamos com energia as doutrinas gloriosas da salvação pela graça e da
justificação pela fé, porém, longe de nós supor que a verdadeira religião
autoriza, de alguma forma, o menosprezo da segunda tábua da Lei. Não nos
esqueçamos, nem por momentos, de que a verdadeira fé se conhece por seus
frutos. Estejamos certos de que quem não é honrado, não possui a graça divina.
Por outro lado. o leitor deve entender
que essa parábola não foi dirigida aos escribas e fariseus, mas aos discípulos.
Estes ouviram a lição que Jesus dera aos hipócritas, ouviram falar de um homem que malbaratou seu dinheiro e também de outro que havia empregado a má fé. Em
sua presença, tinha-se descrito com cores vivas o pecado da libertinagem; era
coerente que se lhes oferecesse agora um quadro de uma falta menos chocante - a
da fraude e engano.
Finalmente, podemos dizer ao leitor que
três são, a nosso ver, as lições contidas nesta parábola:
• E prudente estarmos preparados para o
futuro.
• É importante fazer bom uso do dinheiro.
• Temos de ser fiéis, mesmo nas coisas menores.
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